Ufaaa…!

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Agora já passou….
Mas por esses dias tive medo,
Fazia tempo que isso não ocorria,
Já estava desacostumada…

Senti novamente aquele sabor amargo,
Aquele frio a percorrer a espinha,
Aquele aperto no peito,
Nó na garganta…

Minha pequena ficou muito doente,
Olhar aquele pescocinho magro,
Ouvi-la tossindo e chorando de dor,
Sem, no entanto, conseguir dizer onde doía…

Ah, como doía!
Doía em mim, eu meus pais,
Na minha irmã (mãe da pequerrucha)…

Mais difícil, no entanto,
Foi fazer-me, fingir-me forte,
Não podia chorar,
A prioridade não era minha,
Meus ombros tinham de estar disponíveis,
Para receber as lágrimas dos outros…

Levá-la ao médico,
Saber da necessidade de internação
(1,5 anos! Por Zeus!)
Tudo isso me deixou com uma angústia,
Com o peso da impotência…

Ah…! Sei que isso é comum,
Que dezenas de milhares de lares,
Ou passam por isso neste momento,
Ou passaram,
Ou passarão….!

Mas temos nós a ilusão da eternidade,
Fiquei imaginando se fosse ela minha filha,
Como me sentiria?
Como seria?
Ao pedir calma à minha irmã (mãe da Dudinha),
Levei na ‘cara’ um: ‘você não é mãe…’
Tá…. eu SEI disso,
Mas ser tia/tio, não é como experimentar,
Em certa medida,
O mesmo sentimento da paternidade/maternidade?
Como poderia eu sentir mais,
Amar mais, do que amo meus sobrinhos (Fê e Duda)?
Claaaaro que não levei a mal,
Sei que as palavras de minha irmã eram frutos de sua angústia….

Só agora escrevo neste espaço,
Somente tal me permito por considerar que o perigo já passou,
Mas no canto dos meus olhos,
Posso vislumbrar que a morte está à espreita,
Não agora, Não hoje,
Mas ela, por fim, vencerá…
Levando consigo os que amo,
Ou levando-me antes….sei lá….

É o ciclo natural da vida,
E não me entristeço….
Me aborreço ou me revolto,
Só sinto a dura realidade,
Só senti um pouco das palavras do poeta:

“…a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto, do filho que já morreu…”

Pois creio que nada deve ser mais terrivelmente dolorido do que isso.

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Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

O medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

Bifurcação

Bifurcação 

Meu coração está dilacerado,
Pela marca da derrota,
À cada sonho que morre,
Um pedaço de nossa carne se vai,

Nada é mais duro,
Do que uma escolha,
Pois escolher um caminho implica,
À renúncia de outro,

Se sofro por haver escolhido,
Sofro mais por haver renunciado,
Alegro-me por algo ter mantido,

À cada renúncia, sofro um pouco,
À cada renúncia, cresço um pouco,
O que fui ontem difere do que sou hoje,
O que sou hoje diferirá do que serei amanhã.

Canção do Berço

 “Trilhos” - foto de Ana Paula Paiva

O amor não tem importância.
No tempo de você, criança,
uma simples gota de óleo
povoará o mundo por inoculação,
e o espasmo
(longo demais para ser feliz)
não mais dissolverá as nossas carnes.

Mas também a carne não tem importância.
E doer, gozar, o próprio cântico afinal é indiferente.
Quinhentos mil chineses mortos, trezentos corpos de namorados sobre a via férrea
e o trem que passa, como um discurso, irreparável:
tudo acontece, menina,
e não é importante, menina,
e nada fica nos teus olhos.

Também a vida é sem importância.
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles.
A vida é tênue, tênue.
O grito mais alto ainda é suspiro,
os oceanos, calaram-se há muito.
Em tua boca, menina,
ficou o gosto do leite?
ficará o gosto do álcool?

Os beijos não são importantes.
No teu tempo nem haverá beijos.
Os lábios serão metálicos,
civil, e mais nada, será o amor
dos indivíduos perdidos na massa
e só uma estrela
guardará o reflexo
do mundo esvaído
(aliás, sem importância)

by Carlos Drummond Andrade

Minhas putas tristes

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A profissão mais antiga do mundo me incomoda, por vezes sou tentada a desviar o olhar, pois não suporto ver mulheres em tal situação.

O sofrimento alheio me choca e me toca, se for de uma mulher então é-me quase insuportável: poderia ser minha irmã, minha sobrinha, minha mãe, minhas amigas ou eu mesma. De mãos atadas resolvi escrever, apenas como forma de aliviar o peso em meu coração. Eis:

Ó minhas putas tristes!

Roubaram teus sonhos de moça,

Tornaram-te ‘dama-da-noite’,

Príncipes, não mais!

Só cafetões,

Seres monstruosos travestidos de normais,

São eles teus amantes, teus algozes

Ó minhas putas!

Tão tristes!

Não mais sonhas,

Não mais quer,

Em tuas camas não encontram Morfeu,

Só súcubos, que te amaldiçoam!

Ó minhas putas tristes!

Meu coração de mulher adoece,

De ver irmã de sexo nesta condição tão doída,

Tiraram teus véus,

Te mandaram despir-se

Sem cerimônias, sem esponsais, sem pudor, sem amor,

Ó minhas putas!

Tão tristes!

Violaram não só teu corpo,

Mas tua alma,

Abriram chagas que não se fecham,

E caindo as roupas, caíram também

Não mais sorrisos, só ‘adeuses’ aos versos,

Ó minhas putas tristes!

Não tivestes companheiros,

Quando o corpo despido

Se entrega por trocos,

Num ato não gratuito,

Então o afeto é morto!

Ó minhas putas!

Tão desoladas e tristes!

Meu coração de mulher

Faz-me envergonhar de minha ventura,

Enquanto outras filhas de Eva tenham tal destino,

  

Ó minhas putas,

Minhas putas tão tristes!

Só faço lamentar,

Com o tempo esquecer,

De ter visto tal sofrimento,

Nos olhos de uma que poderia ser minha amiga,

Num último suspiro, me ponho a rezar:

“Se existe um Deus,

que ele se lembre de ti,

que te dê melhor sorte,

e que em seu leito de morte,

Possa você O perdoar.”

Libertas

Liberdade

 Visitando: Livre (Meu Baú de Versos Tortos)

“Bom é mesmo ser livre,
Livre os grilhões que outrora me prendiam,
Mesmo que os grilhões fossem belos e formosos,
Mesmo que a soltura nos torne desditosos,

Bom é mesmo ser livre,
Voar qual pássaro,
Nadar qual golfinho,
Mares plácidos,
Céus com stratos,

Bom é mesmo ser livre,
Comer sonhos-de-valsa até estourar,
Tomar coca-cola até me fartar,
Sem preocupar-me com o ontem ou o amanhã,
Bom é me deleitar com o hoje!

Bom é mesmo ser livre,
Andar de bike em parques públicos,
Ignorar placas de ‘não pise’ e pisar na grama descalça,
Pular no chafariz e molhar-me toda,
Para depois secar-me ao sol escaldante
(jacaré de papo-amarelo!)

Bom é mesmo ser livre,
Ficar acordada de madrugada até o sol nascer
E observar de ‘esguela’ todos saindo de suas tocas,
Enquanto apreciei eu o cheiro da madrugada,

Bom é mesmo ser livre,
Livre para escrever o que eu bem entender,
Prá responder aos amigos que no meu canto vão me ver,
E dizer: sejam bem vindos! Meus bons amigos!

Bom é mesmo ser livre,
Rabiscar papéis com lápis aquarelável,
Encher minha sobrinha de beijos
(Ah, Duda-bebê !)
Andar de Skate com meu sobrinho
(Oh, Fê …. )
Fazer tudo isso sem ter que ao tempo me ater,

Bom é mesmo ser livre,
Não temer emboscadas que meu coração preparar,
Saber silenciá-lo nos momentos certos,
Dar-lhe alforria quando ele o merecer,

Bom é mesmo ser livre e dizer:
Como é bom viver! ”

 by me

Roma

 Via Ápia, um dos caminhos de Roma

Visitando: Decassílabo inconseqüente de sentir

I – Ab initio

Fui à Roma te buscar,

Não te achei

Todas estradas percorri,

Que meus pés machuquei!

A modorra me tomou,

Descansei

E à sombra duma árvore,

Meditei

É um fantasma que eu busco?

<perguntei>

Sob o crepúsculo em que estava,

Gritei:

“Onde estás, meu amado?”

<matutei>

A lisura de teu intento,

Contestei:

Me cortejas; me abandonas,

Bem o sei,

II – In meso

Percorrendo desfiladeiros,

Descobri teu paradeiro:

Sob Pinhais tu te escondes!

À meus chamados, não respondes!

< ne verbum quidem >

Mas o sol nasce e se põe,

Sob meus domínios,

Enquanto amada, sou doce,

Se desprezada: açoites!

Em breve meus criados,

Obrigarão-te a apresentar-te

Clamarás misericórdia,

Eventual indulto?

No tempo certo, decidirei!

III – In finitu

O salário da desídia é a morte,

Melhor que queiras tu ficar a meu lado!

Ad summam:

Per dolum: me deixastes,

Per litteras: te chamei,

Per contra: caminhastes,

Per lundum: ameacei,

Per semper: te quererei,

Per tempus: te terei!

by me

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